A cena pode parecer curiosa, até inocente à primeira vista: um bebê reborn, desses ultrarrealistas, posicionado em frente ao Memorial do Tropeiro em Dores de Campos, um dos mais significativos marcos da identidade cultural da cidade. Mas o contraste chama atenção. O memorial celebra o esforço, a história e a rusticidade da vida tropeira, símbolo da economia mineira e da formação de nossas raízes. E ali, entre mulas empacotadas e um tropeiro de olhar firme, repousa uma boneca cara, tratada como se fosse gente. É preciso questionar o culto crescente aos bebês reborn. O que começou como recurso terapêutico voltado a mães enlutadas ou idosas solitárias, virou moda, vitrine de redes sociais, símbolo de um consumo emocional sem freio.
Crianças ganham essas bonecas para brincar de maternidade com níveis de detalhamento quase mórbidos, enquanto adultos as tratam como filhos reais, com enxovais, carrinhos e até certidão de nascimento. A linha entre afeto e fantasia está cada vez mais tênue. Colocar um bebê reborn no Memorial do Tropeiro é mais que uma curiosidade kitsch: é sintoma. Sintoma de uma sociedade que cada vez mais troca a experiência real pela simulação, que transforma sentimentos profundos em performance, que romantiza o cuidado sem lidar com suas responsabilidades reais. Em um tempo em que muitos ignoram o sofrimento de crianças reais, sustentar afeto exagerado por bonecos hiper-realistas soa como uma inversão de valores.É preciso ter sensibilidade para entender o que é memória, o que é simbólico, e o que é, simplesmente, um exagero emocional embalado em plástico caro. O tropeiro que cruza a história de Dores de Campos carrega muito mais que mercadorias: carrega a dignidade de uma vida de verdade. E essa, nenhum boneco substitui.
É a nossa opinião!
Portal Dores de Campos
